Hercule Florence foi um inventor e desenhista francês que veio ao Brasil e se tornou pioneiro da fotografia brasileira. Acredita-se que ele é o responsável pelo nascimento da fotografia em terras tupiniquins, que se deu em 1832 – sete anos antes da invenção do daguerreótipo, comumente associado ao início da fotografia na França.
Um registro escrito pelo próprio Florence mostra que ele pode ter sido um dos primeiros idealizadores da fotografia:
“Neste ano de 1832, no dia 15 de agosto, estando a passear na minha varanda, vem-me a ideia que talvez se possa fixar as imagens da câmera escura, por meio de um corpo que mude de cor pela ação da luz.”
Apesar desses registros, a primeira obra científica que cita Florence como pioneiro da fotografia foi publicada em 1976 pelo professor Boris Kossoy. A pesquisa – que posteriormente se tornou livro – é intitulada “Hercule Florence – A descoberta da fotografia no Brasil” e foi publicada em um simpósio nos Estados Unidos no mesmo ano. No livro afirma-se que a fotografia começou com Florence na Vila de São Carlos, que hoje é Campinas, há 183 anos.
A partir dessa pesquisa, o feito de Hercule Florence passou a ser citado em publicações de todo o mundo. Porém, a maioria dos brasileiros desconhece essa história e ainda atribui o nascimento do daguerreótipo como o início da história da fotografia.
Datas
Em entrevista ao Portal G1, o autor da primeira pesquisa sobre Florence, Kossoy, afirma que considera que a descoberta da fotografia no Brasil aconteceu, na verdade, em 1833. Isso porque as datas das anotações de Florence são desse ano e, apesar de elas afirmarem que a ideia é de 1832, não há nenhuma prova concreta disso.
O que é intrigante, de acordo com o autor, é que o inventor franco-brasileiro estipulou uma data bem específica em suas anotações: o dia 15 de agosto.
Como Florence enxergava a fotografia
Para Florence, de acordo com suas anotações, a fotografia nada mais era que o que chamamos hoje de Xerox, “uma forma de reproduzir documentos e desenhos de forma fiel”.
O que ele tentou fazer à época, então, era criar um jeito mais fácil para fazer essas cópias e oferecer esse serviço na Vila de São Carlos, onde morava, porque no local não havia estabelecimentos que oferecessem trabalhos de tipografia.
Em meio a seus experimentos, Hercule Florence criou uma câmera fotográfica amadora usando apenas uma lente e um binóculo. Com esse artefato, ele conseguiu obter a imagem negativa de uma janela. O feito foi registrado:
“Mas como será útil para os retratos! Isso mesmo: a imagem de uma pessoa, refletida na câmara escura, será apreendida e fixada no papel por uma simples ação química. Quanta semelhança!”
Experimentos
Florence continuou com os experimentos. Em janeiro de 1833, como mostram seus registros, o inventor preparou uma placa de vidro com nitrato de prata e escreveu nela uma poesia em francês, que dizia “e tu, Divino sol, empresta-me teus raios”. A placa foi exposta ao sol por Florence e, em um papel, a frase foi reproduzida com perfeição. Ele fazia ali, uma revelação fotográfica.
A reprodução de imagens já estava dominada pelo franco-brasileiro. Porém, ele ainda tinha dificuldade em mantê-las fixadas nos papeis. Foi aí que ele começou a testar substâncias que fizessem que os sais de prata das placas fossem dissolvidos na exposição à luz para, assim, fixar as cópias.
Segundo as anotações, foi por acaso que Florence descobriu que a urina era um ótimo fixador:
“Verifiquei que banhar uma imagem fotografada em urina por alguns minutos permite que ela volte a ser exposta ao sol posteriormente sem escurecer, de forma bem mais eficaz que um simples banho de água”.
A amônia, substância presente na urina, já era conhecida como um possível solúvel de nitrato de prata anos antes de Florence também descobrir. Mesmo assim, de acordo com o fotógrafo e professor Kossoy, Florence não deixa de ser um dos primeiros inventores a usarem a amônia como substância fixadora.
A França conheceu Florence antes do daguerreótipo
O livro de Kossoy mostra que o príncipe de Joinville (SC), François Ferdinand Philippe Loius-Marie d’Orléans, teria adquirido uma foto de Florence em 1838 e teria a levado à França no mesmo ano, antes mesmo de Daguerre mostrar ao mundo sua invenção:
“Curiosa ironia: um ano e meio antes da anunciada descoberta de Daguerre pela Academia de Ciências de Paris (19 de agosto de 1839), o príncipe de Joinville, filho do rei da França, levava em sua bagagem uma cópia do desenho de um índio Bororo obtida por processo fotográfico. Essa é uma das coincidências da história do Florence que deixa as pessoas mais intrigadas”.
O pesquisador, porém, também afirma que não há evidências de que essa imagem teria influenciado os trabalhos de Daguerre. Ele acredita, inclusive, que essa possibilidade é pouco provável.
Florence não buscou o reconhecimento
Apesar dos grandes feitos, as anotações de Hercule Florence mostram que ele não fazia questão de ser reconhecido. E mais, reconhecia o trabalho de Daguerre como pioneirismo na fotografia.
“Como eu tratei pouco da photographia por precisar de meios mais complicados, e de sufficientes conhecimentos chimicos, não disputarei descobertas a ninguém, porque uma mesma idea pode vir a duas pessoas, porque sempre achei precariedade nos factos que alcançava, e a cada um o que lhe é devido”. Essa nota foi publicada em 1839, no jornal “A Phoenix”, da capital de São Paulo.