A facilidade de registrar uma cena a qualquer minuto, em qualquer lugar, tornou a fotografia algo tão corriqueiro que incorporamos esse hábito como algo simples. Porém, foi preciso percorrer um longo caminho até que ela se tornasse tão familiar. Desde a impressão da primeira foto, quase dois séculos atrás, a humanidade segue aprimorando essa tecnologia e descobrindo formas de torná-la mais amigável e acessível. Um dos principais marcos nesse percurso foi, indiscutivelmente, o advento das câmeras digitais. Essa invenção possibilitou a popularização da fotografia, aumentando expressivamente o número de fotos tiradas ao redor do mundo, a cada segundo. E a tendência é que, com esse recurso ao alcance das mãos, a fotografia siga impactando a forma de registrarmos nossa história e até mesmo como nos relacionamos.
Arte da guerra
Assim como diversas tecnologias que hoje facilitam nossa vida, os moldes da fotografia digital como conhecemos surgiram através de pesquisas militares. No final do século XX, quando EUA e União Soviética protagonizavam a Guerra Fria, a corrida espacial entre os países culminou na necessidade da transmissão de informações à longas distâncias por meio eletrônico. Graças aos esforços da NASA, em 1965 a sonda americana Mariner 4 conseguiu registrar a superfície de Marte através de um método totalmente novo. Equipada de uma câmara de TV (Mavica) que basicamente congelava as imagens, a sonda capturou 22 fotos em preto e branco do planeta vermelho em uma resolução de 400 pixels e as enviou para Terra durante 4 dias. Apesar de ainda contar com recursos analógicos, tal feito foi um avanço incrível para época.
Porém, a total independência de recursos analógicos só seria possível através da incorporação de circuitos que transformassem as câmeras fotográficas em pequenos computadores, capazes de capturar e armazenar informações em meio eletrônico. E no mesmo ano de lançamento da missão Mariner 4, em 1964, os primeiros passos para a primeira revolução digital da fotografia eram dados: a RCA (pioneira americana do segmento de telecomunicações) trabalhava no desenvolvimento de um circuito que possibilitasse o armazenamento de informações digitais. Sua invenção, o CMOS (Complementary Metal Oxide Semiconductor), foi o grande responsável pela transformação das câmeras em aparelhos portáteis, capazes de armazenar informações básicas como data e hora. Esse pequeno circuito também serviu de inspiração para a criação do CCD (Charged Coupled Device), desenvolvido pela Bell Labs em 1969, que, por sua vez, permitiu aprimoramentos significativos em relação à resolução das imagens capturadas. Encontrada nas câmeras digitais atuais, essa invenção possibilitou avanços não somente na fotografia, mas também nos equipamentos médico-hospitalares e instrumentos de observação espacial.
A Corrida do ouro
Porém, a comercialização de câmeras com essa tecnologia ainda carecia de alguns ajustes. No ano de 1975, a Kodak divulgou o primeiro protótipo de câmera digital, ou do que ela mesma chamou de “Câmera Fotográfica Portátil Eletrônica”. Mesmo longe dos padrões de portabilidade atuais, a câmera de 4kg contava com recursos revolucionários: registrava imagens em 23 segundos com resolução equivalente à 0,04 Mega pixels, algo impressionante para época. Porém, ainda era preciso “assistir” as fotos através de um televisor comum, um desafio para a exploração comercial da invenção, uma vez que as pessoas costumavam guardar fotos em álbuns de recordação e trocá-las em correspondências com os entes queridos.
A primeira câmera a ser intitulada “digital” surgiu através de um experimento conduzido pela Universidade Calgary do Canadá. Construída em 1981 para fotografar fenômenos atmosféricos, a Fairchild All-Sky Camera contava com tecnologia CCD e capturava imagens na resolução de 100×100 pixels. Porém, o grande diferencial do equipamento era o microcomputador Zilog Mcz1/25 acoplado, que processava as imagens de maneira puramente digital.
A grande revolução só chegou às massas de fato graças a Sony que, no mesmo ano, disponibilizou a primeira “câmera digital comercial”. A Mavica tinha preços exorbitantes para época (cerca de U$12 mil), porém contava com resolução de 0,3 megapixels e a impressionante capacidade de armazenamento de até 50 fotos em disquetes de 2 polegadas, os chamados Mavipaks (da própria marca).
Com o mercado em expansão, novas empresas entraram nessa corrida do ouro, disponibilizando novas câmeras e novos acessórios fotográficos. Dessa forma, os modelos subsequentes da própria Mavica (MVC-C1 e MVC-A10 Sound) lançados no ano final da década de 80 já custavam 30 vezes menos que a câmera pioneira da Sony, e ainda contavam com aprimoramentos como gravação de áudio.
O fim dos disquetes
Apesar dos avanços, o uso das câmeras analógicas (que utilizavam filmes) ainda era muito comum nos anos 90. Para aposentar de vez o método convencional e popular a tecnologia digital era preciso tornar o produto mais atraente e prático para consumidor. Alguns desafios precisaram ser vencidos ao longo das próximas duas décadas para que este item se tornasse definitivamente o método mais utilizado para registrar momentos.
Além do aprimoramento do design das câmeras (que ainda era pesadas), era preciso melhorar a qualidade das imagens capturadas – ainda muito inferiores às câmeras convencionais. O meio de armazenamento também precisava ser menor e mais barato. As primeiras mudanças tardaram a chegar nesse sentido, apenas 1997, através da Sony, foi possível utilizar disquetes de 3.5” (os mesmos utilizados em computadores) para gravação de foto, tornando o equipamento um pouco mais compacto.
Porém, a grande sacada foi dada pela Fujitsu: além de apresentar modelos cada vez mais robustos e o útil painel de visualização, a gigante japonesa foi a primeira a disponibilizar uma câmera com armazenamento via cartão de memória. Apesar da década se encerrar com a popularização uso de discos compactos (CDs) em câmeras digitais, a Fujix DS-1P, lançada em 1988, contava com o recurso de armazenamento em cartões que dominaria o mercado nos próximos anos.
A disputa das gigantes do setor impulsionou o aprimoramento de recursos. Sensores, lentes, capacidade de zoom e resolução cada vez melhores foram apenas algumas conquistas motivadas pela acirrada disputa entre as companhias. Em meados dos anos 2000 já contávamos com câmeras extremamente potentes, dispensando o uso de pilhas (graças às baterias recarregáveis), padronização de tecnologias e meios de armazenamento pequenos, porém de alta capacidade.
Depois do selfie, o que o futuro nos reserva?
Atualmente, qualquer pessoa tem uma câmera ao alcance de sua mão. Desde o lançamento do primeiro celular que tirava fotos (Sanyo SCP-5300) em 2002, o número de cliques ao redor do mundo cresceu absurdamente. Graças ao advento da fotografia no celular, os registros feitos desde o surgimento da tecnologia digital cresceram mais de 600%. Para se ter uma ideia, passamos das 86 bilhões de imagens capturadas no ano 2000 (99% delas analógicas), para 400 bilhões de fotos batidas em 2011 (sendo apenas 1% de forma analógica). Além de influenciar a própria veiculação da notícia e a maneira como nos relacionamos virtualmente – com menção honrosa ao selfie – a qualidade cada vez maior das câmeras incorporadas nos celulares permitiu o crescimento dos amantes dessa arte. Tamanha praticidade e aparelhos cada vez mais modernos nos fazem questionar qual será a próxima revolução nesse segmento.
De acordo com Nizar Escandar, da especializada eMania, “A tendência é que mais gadgets incorporem essa tecnologia. Dispositivos de realidade aumentada permitirão a captura de imagens e filmagens em movimento de forma muito mais prática que as atuais câmeras GoPro, por exemplo. Óculos e lentes de contato inteligentes com recursos de captura digital tornarão essa tecnologia algo ainda pessoal e natural.”. Parece roteiro de filme de ficção científica, mas é pura realidade: há dois anos atrás, o Google anunciou um projeto de desenvolvimento de lentes de contato inteligentes em parceria com o laboratório farmacêutico Novartis.
Porém, a fotografia profissional não vai desaparecer. Para aqueles que acreditam que tanta tecnologia pode descaracterizar o segmento, notícias apontam que as gigantes do ramo seguem investindo em câmeras fotográficas de alto desempenho. No início do ano, Fujifilm e Panasonic anunciaram o desenvolvimento de uma tecnologia que propõe substituir o silicone utilizado nos sensores atuais por um conversor fotoelétrico de origem orgânica. Isso seria capaz de aumentar a área de captação da luz, resultando em imagens com qualidade até 100 vezes maior, se comparadas com as melhores câmeras existentes. A expectativa é que a tecnologia, ainda em estudo, esteja disponível para uso comercial num futuro próximo.