A história em torno do processo fotográfico é recheada de dúvidas e incertezas. Após muitas tentativas, a fotografia foi, finalmente, declarada uma invenção em 1839. E foi neste período que o seu papel dentro da arte começou a ser discutido – debate que dura até hoje. Na época, diversas publicações europeias e americanas examinaram o assunto para entender melhor a importância e o impacto dessa novidade.
A fotografia começou a se popularizar em meados do século XIX, o que gerou uma transformação no comportamento em relação a esse meio de expressão. Entre 1840 e 1850, as técnicas começaram a ser aprimoradas, trazendo uma série de experimentos e avanços estéticos. Nesse cenário, a ideia de que uma fotografia poderia ser considerada arte e que fotógrafos poderiam ser artistas – aqueles vindos de classes sociais mais baixas, principalmente – parecia absurda para alguns. Boudelaire, o conhecido pensador francês, chegou a declarar que a fotografia era “o inimigo mais mortífero da arte”. Outros críticos, como o inglês John Ruskin, acreditavam que a fotografia não tinha nenhuma relação com a arte e que jamais iria substituí-la. Esse pensamento reduzia a fotografia ao simples funcionamento do seu dispositivo técnico que, simplesmente, usava a luz para registrar partes da realidade. Foi aí que surgiu o conceito de fotografia-documento: uma cópia mecânica do real que substituia o pincel do artista. Até então, as perspectivas renascentistas estavam presentes em imagens geométricas.
Algumas figuras destacaram-se por rejeitar essa visão severa, e começaram a considerar a fotografia como uma forma de criar complexas misturas de imaginação e realidade. Julia Margaret Cameron (1815-1879) é um exemplo disso. A fotógrafa começou a sua carreira aos 48 anos de idade, e criou uma obra extensa com propósitos puramente estéticos. Ela utilizada fantasias, objetos cênicos e foco diferencial , criava retratos com bordas desfocadas e tons quentes, realizou estudos inspirados em temas bíblicos, literários e alegóricos. Seu trabalho era tão ousada que ela foi rotulada pela própria comunidade fotográfica como uma excêntrica incapaz de utilizar uma câmera corretamente.
A recusa da fotografia como arte era tão enraizada que a organização da Exposição Internacional de Londres de 1862 recusou-se a exibir fotografias na mesma sala dedicada às obras de arte, expondo-as na seção de equipamentos mecânicos.
Foi somente com o surgimento do movimento pictorialista, na década de 1890, que o papel subjetivo da fotografia começa a ganhar espaço reconhecido. O pictorialismo começou na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, e reuniu fotógrafos com o objetivo de produzir aquilo que chamavam de fotografia artística. Os simpatizantes passaram a dar às suas fotos um aspecto de pintura no esforço de terem suas obras vistas como arte.
A foto pictorialista era caracterizada pelas técnicas e efeitos das artes gráficas, trazendo ao observador tons vibrantes e aparência desfocada. Pretendia provocar. Muitas das composições retratavam a gravidade artística do simbolismo contemporâneo como a icônica “A harpa eólica” de 1912 por Anne Brigman.
Um dos nomes mais influentes no movimento da fotografia como arte foi Alfred Stieglitz (1864-1946), um americano que mantinha uma estreita relação com a Europa. Ele dirigia a revista Camera Work, que publicava o que se fazia de melhor em termos de fotografia artística em todo o mundo. A terceira classe (1907), publicada na Camera Work em 1911, é considerada a primeira fotografia moderna.
A possibilidade da fotografia ter a sua estética própria e aproveitar qualidade específicas do suporte foi extremamente atrativa para muitos fotógrafos americanos: Edward Weston com natureza-morta e seus nus quase abstratos, e Ansel Adams com suas paisagens líricas dominariam a fotografia artística americana por um longo período.
Do outro lado do Atlântico, a Primeira Guerra Mundial gerou um impacto profundo na produção artística. Insatisfeitos, muitos artistas tentavam desenvolver técnicas de expressão pictórica para exprimir a crise de fé nos valores tradicionais decadentes nesse período de conflito. Foi aí que as primeiras fotografias que invocavam o tempo, o espaço e outros aspectos abstratos foram realizadas, e esse espírito radical para a inovação foi a inspiração da produção artística de vanguarda a partir de 1920. A fotografia começou a ser usada pelos dadaístas alemães em obras repletas de críticas sociais, pelos construtivistas da União Soviética para desenvolver novos estilos para uma nova sociedade, por surrealistas como Man Ray, e por modernistas de todo o mundo que celebravam as mais diversas formas de arte e design. Ela passou a ser vista como um meio de comunicação visual ótimo para a era moderna.
O Museum of Modern Art de Nova York (MoMA) foi a base ideológica do modernismo – o movimento de vanguarda dominante na primeira metade do século XX, que incluía arte, design e arquitetura. O MoMA realizou uma importante exposição fotográfica em 1937, e em 1940, inaugurou seu próprio departamento de fotografia. Contudo, só com John Szarkowski (1925-2007) no posto de curador fotográfi co do MoMA em 1962 que a fotografia foi incluída de forma definitiva ao modernismo. Para ele, a legítima fotografia era “direta” e democrática no que dizia respeito aos seus temas e possuía um forte componente formal. Fotografias não eram obra da imaginação, mas fragmentos da realidade organizados para refletir um ponto de vista pessoal.
E assim, a partir da década de 1960, com o pós-modernismo, os último obstáculos são derrubados, abrindo espaço para a fotografia explorar as possibilidades de expressão, aproveitando-se da expansão dos meios de comunicação e da consolidação da cultura de massa. Nesse período, surgem distintas correntes artísticas, como a pop art e o minimalismo que também beneficiam a expansão da fotografia.
Aqui, a fotografia assume o seu papel de codificação e significação cultural, vence o sentido de simples mecanização do seu equipamento e conquista o seu tão almejado lugar no cenário artístico. Grande parte dessa credibilidade da fotografia veio graças ao trabalho do norte-americano William Eggleston.
A FOTOGRAFIA NO BRASIL
Por aqui, a fotografia como arte começa a aparecer por volta de 1939 com a organização dos primeiros fotoclubes que introduziu o modernismo à fotografia brasileira e revelou toda uma geração de artistas como German Loca, Geraldo de Barros e Thomaz Farkas. O processo fotográfico era baseado na experimentação, como fotomontagens, colagens, e intervenções diretas no negativo. O dadaísmo e o surrealismo foram de grande influência para esse artistas que experimentavam a justaposição e processos alternativos para abrir espaço para significados múltiplos e desconstruindo a fotografia como representação do real.
Com o golpe militar de 1964, a fotografia voltou-se novamente para o campo da fotorreportagem e a expressão autoral ficou inibida. Nesse período, apenas poucos fotógrafos insistiram em manter a auto expressão em suas imagens, como Anna Bella Geiger e Miguel Rio Branco. A retomada definitiva só ocorreu com a redemocratização, mas com um redirecionamento contemporâneo na arte de maneira geral.
Nos anos 90, as ideias pós-modernistas progrediram no país e a fotografia passou a ser usada no processo criativo. Inclusive, o tema passou para o âmbito acadêmico. Em 2002, o Ministério da Educação aprovou o primeiro curso de bacharelado em fotografia, criado pelo Senac de São Paulo. Hoje, há cursos de graduação e de pós-graduação por todo o país, o que permite o desenvolvimento de uma gama extensa de trabalhos artísticos com sólidas bases na pesquisa e estudos.
E ONDE ENTRA O FINE ART NESSA HISTÓRIA?
Com essa trajetória e sua consolidação como arte, surge a fotografia Fine Art. A expressão por si só já é velha conhecida do meio fotográfico. É utilizada tanto para designar um processo de impressão extremamente especializado quanto para denominar o circuito de exposições fotográficas e o emergente mercado dos colecionadores de fotografia. Não obstante, há mais um emprego para esse termo: refere-se à prática da fotografia sem viés comercial, baseada estritamente na experiência pessoal do autor, permitindo um tom fantasioso e lúdico nas produções.
Explicar como surgiu essa fotografia mais autoral não é tarefa fácil. A expressão raramente é usada em textos sobre fotografia contemporânea ou mesmo de história da arte, os pioneiros do estilo não são prontamente encontrados e o próprio termo, que se tornou bastante popular na era digital, aparece sem distinção aparente em diversos sites e redes sociais.
Embora o termo seja comum, a aplicação desse estilo pena para ser compreendida. Dentre os fotógrafos que se denominam “fine art”, destaca-se uma grande parte que trabalha com a construção de narrativas,e usam as imagens para contar história. Outro considerável grupo, também, é inspirado na pintura. E por último, nota-se, de maneira crescente, um preocupante número de fotógrafos que utilizam o termo, de forma completamente equivocada, para sofisticar seus trabalhos.
Prestando um pouco mais de atenção a esse contexto – considerando o uso adequado do termo – , pode-se identificar conexões com correntes melhor estudadas, o que permite um maior entendimento da fotografia fine art no cenário contemporâneo.
Fotógrafos de diferentes linhas de atuação vêm descobrindo esse universo e notando as possibilidades que o estilo fine art pode trazer aos seus trabalhos, inclusive para a fotografia comercial, mas a falta de um referencial teórico sólido – especialmente no Brasil – dificulta o estudo e desvirtua significados.
Pensando nessa dificuldade de entendimento sobre o verdadeiro significado da fotografia Fine Art, o Instituto Internacional de Fotografia (IIF), em parceria com a fotógrafa Danny Bittencourt, desenvolveu o Photo Inspiration, o primeiro congresso internacional de fotografia artística.
Criado a partir da vontade de expandir a discussão no âmbito da fotografia como arte, o Photo Inspiration vem com o principal objetivo de colocar a fotografia em um lugar mais comum e acessível. O evento busca estabelecer um paralelo entre os conhecidos segmentos da fotografia como o fotojornalismo, fotografia documental, paisagem, arquitetura e retrato como linguagem para um campo de expressão autoral.
Serão dois dias nesse universo. Nos dias 23 e 24 de Janeiro/2018, nove palestrantes, especialmente escolhidos, dividirão com o público suas experiências, conhecimento e impressões sobre esse mercado tão rico de possibilidades.
Acesse o site para mais detalhes: https://photoinspiration.com.br/
Para dúvidas ou informações, entre em contato com os organizadores pelo e-mail eventos@iif.com.br ou pelo telefone (11) 3021-3335